02 Mar, 2015

Opinião sobre a abordagem da mídia da Open English

Opinião

Preconceito linguístico, sexismo, colonialismo e preconceito social num pacote só: o desserviço prestado pela Open English

23/05/2012

Ao longo de anos e anos de pesquisas e estudos profissionais e pesquisadores das áreas de ensino de línguas têm comprovado que a ideia de que um “falante nativo” de uma língua é melhor qualificado para ensiná-la do que um falante “não nativo” é uma falácia, baseado em um preconceito que causa mais danos do que benefícios aos alunos e à sociedade em geral. E por que?

1) Porque ninguém sabe exatamente o que significa “nativo”.

Nativo quer dizer “nascido em”. Assim, um falante nativo de Português seria todo aquele nascido no Brasil e que aprendeu a falar a língua desde cedo.  Mas todos os brasileiros falam do mesmo jeito? E todos estão capacidados a ensinar a língua portuguesa apenas porque a falam como primeira língua?

2) Porque não basta saber a língua para ensiná-la

Se fosse assim, ninguém teria aula de português na escola. O conhecimento prático e intuitivo sobre a língua é completamente diferente da reflexão e análise sobre a língua, sua forma, estrutura, características, estilos, gêneros, idiossincrasias. É preciso conhecer a língua de um ponto de vista científico-acadêmico, de quem a estuda em profundidade.

3) Porque ser professor não é para qualquer um

Não é porque se sabe algo que se está automaticamente preparado para ensiná-lo. É preciso compreender como as pessoas aprendem – estudando psicologia do desenvolvimento, teorias de aquisição de línguas – e como se ensina melhor – estudando didática, metodologia de ensino. Assim a aula será mais efetiva e o aluno realmente aprende porque entende, se apropria e se motiva a aprender mais.

Era de se esperar que os argumentos acima fossem óbvios, mas infelizmente parece que ainda não. É o que mostra a (péssima) propaganda de uma escola de inglês on-line chamada Open English. Veja só:

(O vídeo foi retirado do Youtube e de outros sites após decisão do CONAR – veja aqui)

Os preconceitos são tão evidentes e construídos de forma tão tosca que vale a pena pontuar:

1) “Estes dois querem falar inglês”: o vídeo mostra dois jovens, um caracterizado de forma a ter sua imagem associada com a de “nerd”: camisa fechada, postura curvada, cores sóbrias, cheio de livros nas mãos, enquanto o outro parece “descolado”: postura ereta, camisa aberta, cores mais chamativas, computador nas mãos: ”Um vai a uma escola tradicional, o outro faz Open English” (curiosamente, com uma pronúncia bem distante do padrão do inglês!). “Um passa uma hora no trânsito até chegar na escola toda segunda à noite”, enquanto surge a expressão entediada do jovem no carro. ”O outro aprende on-line a qualquer hora do dia”, enquanto surge o rosto sorridente diante do computador.

Agora começa mesmo a apelação: “Um tem aulas com a Joana”: a imagem mostra o jovem cuja imagem foi construída como a de um “nerd” sentado sozinho em uma classe, com olhar entediado, enquanto uma senhora gordinha, com roupas sóbrias e cabelos comuns aparece, e escreve uma palavra na lousa. E de um conjunto de milhares de palavras disponíveis na língua, qual é a escolhida? “Chicken”, escreve a atriz, pondo-se a imitar uma galinha e cacarejar. A ridicularização da professora “não-nativa” é óbvia, e para continuar, a narração prossegue: “…que estudou inglês em Buenos Aires”. Uma pausa na narração e um close, em câmera lenta, do rosto da atriz cacarejando completa  quadro tosco, apelativo, de péssimo gosto e que constrói discursivamente, por meio da interação entre o texto falado e a imagem apresentada, o estereótipo do professor falante de inglês como segunda língua  como incompetente, ridículo e chato.

E o vídeo continua: “O outro fala ao vivo com Jenny, sua professora na Califórnia”. A imagem mostra o jovem sorridente, com o computador no colo e uma postura descontraída, enquanto seu computador mostra uma atriz mais jovem, loira, magra, (que obviedade!) com uma camiseta justa onde se lê o nome da escola, e que diz: “E você, qual a sua história?”, em Português com sotaque bem marcado do inglês.

O vídeo termina com a narradora dizendo o nome da escola novamente com um sotaque bem distante da pronúncia padrão de um falante não nativo, no típico estilo”faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”>

O mais notável é que em apenas 31 segundos este vídeo consegue ser tão ruim ao ponto de apresentar tantos estereótipos – além da defesa sem base de um professor “nativo” como melhor. Vejamos:

1) É sexista: um padrão de beleza estereotipado é imposto, contrastando as duas atrizes: a “loira gostosa” com a “morena gordinha”. A posição da docência é feminina, e a apreciação da competência da professora pelo aluno – do sexo masculino – passa pelo critério estético.

2) É excludente: ou você é um “nerd” bitolado e sem traquejo social, ou você é um “descolado” espertinho que leva vantagem.

3) Mantém uma visão colonialista de que o que é estrangeiro é melhor, muito forte em um país com uma infra-estrutura recente, pouco mais de um século de vida como ex-colônia e uma história de importação de todos os bens de consumo da metrópole européia.

Fiquei tão surpresa com a má-qualidade da peça publicitária que não me contive e liguei no telefone informado. A surpresa é ser atendido por vários falantes “não-nativos” de inglês, com a mesma pronúncia looooonge do padrão até ao dizer o nome da escola – desde a atendente de telemarketing até a supervisora. Deixei minha reclamação pelo desserviço prestado ao campo da educação em geral e do ensino de línguas em particular. Acho que uma retratação pública é o mínimo que podem fazer para diminuir o prejuízo causado à sua imagem. E fico pensando de quem foi a incompetência: da equipe de marketing ou da escola que aprovou a peça publicitária?

Fonte: educaobiligue.com

Por Selma Moura





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